Luto: o desafio de lidar com perdas
- Diego Pedrosa
- 19 de nov. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 16 de dez. de 2024

Todos nós passamos por diversas e variadas perdas ao longo de nossas vidas. Em um sentido geral, uma perda significa deixar de possuir ou ter algo. No entanto, quando falamos do luto, estamos nos referindo a uma perda especial, de modo que, o que se perde, nesse caso, representa algo muito importante para o sujeito. Assim, podemos dizer que o luto é uma reação a uma perda significativa, a qual pode se tratar de um falecimento, mas também de outras coisas, como o fim de um relacionamento, a perda de um emprego, um comprometimento de saúde, uma mudança de hábito de vida, etc.. O essencial é compreendermos, portanto, que o luto é uma experiência natural e pela qual todos passaremos em algum momento.
CONTRIBUIÇÕES DE FREUD PARA O ESTUDO DO LUTO
Já em 1915, o médico e psicanalista austríaco Sigmund Freud escreve um artigo intitulado “Luto e Melancolia”. Nele, o autor se preocupa em demonstrar, por um lado, a naturalidade do processo psíquico do luto, tratando-o como um afeto normal. Por outro, entretanto, nos alerta para casos em que o luto assume uma forma incomum, patológica, que ele, em sua época, nomeia de “melancolia”. Segundo Freud, tanto no luto quanto na melancolia, o sujeito experimenta um abatimento doloroso, uma diminuição de interesse pela vida, uma restrição da capacidade de amar e uma inibição das atividades rotineiras. Porém, o que ocorre na melancolia, e que não ocorre no luto, é a diminuição da autoestima. “No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio Eu” (Freud, 1915, pp. 175-176).
AS 5 FASES DO LUTO
Em 1969, a médica psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross escreve o livro Sobre a morte e o morrer. No livro, a autora tenta resumir, segundo suas próprias palavras, o que aprendeu com os pacientes que se encontravam próximos do momento de sua morte, no sentido de lidar com os pensamentos e emoções perante uma doença incurável. Assim, a autora elabora uma categorização que compreende cinco estágios pelos quais os pacientes passariam durante o período em que se defrontam com seu grave adoecimento, que ficaram mundialmente conhecidos como “as fases do luto”. Seriam esses: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Entretanto, a própria autora adverte que sua intenção não era criar um manual de intervenção ou modelo rígido e definitivo de fases, mas somente relatar sua experiência. Esse modelo das fases do luto ainda é considerado útil nos dias de hoje. Porém, desde que interpretado de forma flexível. Isto é, compreende-se atualmente que essas fases podem, sim, ser experimentadas ao longo de um processo de luto, mas não necessariamente nessa ordem, assim como também se considera que elas não representam um caminhar progressivo em direção ao término do luto. Ou seja, negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação podem surgir em qualquer etapa do processo de luto e, além disso, ressurgir em outro momento.
O LUTO NO DSM-V
Segundo a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), de 2013, redigido pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), há diferenças entre “Luto sem complicações”, “Transtorno do luto complexo persistente” e “Episódio Depressivo Maior” durante um processo de luto. O critério diagnóstico proposto para diferenciar o luto normal do “Transtorno do luto complexo persistente” é a presença e a duração de reações graves de luto por mais de um ano (ou seis meses em crianças) após a morte da pessoa próxima. Essas reações graves se expressam por intenso sofrimento relacionado à perda, de modo a impactar a capacidade do enlutado de realizar atividades rotineiras, como trabalho, interações sociais e lazer. Em relação ao “Episódio Depressivo Maior”, que corresponde ao quadro de depressão a que normalmente nos referimos, ele compartilha com o luto (seja o luto sem complicações, seja o luto persistente) o humor deprimido e outros sintomas decorrentes desse. Entretanto, na vivência do luto, o foco de todo o sofrimento está na perda. Isto é, o vazio, a tristeza e as preocupações tendem a estar associados a pensamentos ou lembranças do falecido. Além disso, em consonância com o artigo de Freud, no luto, a autoestima costuma estar preservada. Cabe ressaltar que, ao abordar a temática do luto, o presente manual enfatiza a perda de uma pessoa próxima, e não a perdas generalizadas.
O MODELO DO PROCESSO DUAL DO LUTO
Por fim, recentemente vem ganhando destaque, na pesquisa e intervenção em relação ao luto, o trabalho realizado por Margaret Stroebe e Henk Schut, ambos psicólogos e professores da Universidade de Utrecht, na Holanda. No final da década de 1990, eles desenvolveram o Modelo do Processo Dual, o qual concebe o luto como um trabalho psíquico dinâmico que oscila entre duas tarefas: “enfrentamento orientado à perda” e “enfrentamento orientado à restauração”. A primeira se refere diretamente à busca pelo objeto perdido, isto é, expressa a dor decorrente da perda e a tentativa simbólica de reencontrar o que se perdeu, mantendo, portanto, um vínculo com o passado e com as lembranças. Já a segunda tarefa designa a busca pela reorganização da vida e, dessa forma, um olhar para o futuro, desenvolvendo estratégias para lidar com as mudanças relativas à perda e engajando em novas atividades. Cabe ressaltar, todavia, que, por se tratar de um “processo duplo”, ambos os enfrentamentos têm importância. Ou seja, não se trata de privilegiar um, em detrimento do outro. O olhar tanto para o passado, resgatando os afetos positivos vividos, quanto para o futuro, descobrindo uma nova forma de viver, serão essenciais para um desenvolvimento psíquico saudável do enlutado.
CONCLUSÃO
Após revisarmos brevemente algumas concepções teóricas que examinam os mecanismos psicológicos presentes no fenômeno do luto, gostaríamos de realizar alguns comentários finais. Primeiramente, esperamos que tenha ficado claro que o luto é um fenômeno natural e intrínseco à vida, tal como o amor. Portanto, perdermos pessoas ou coisas de que gostamos é uma consequência do fato de que não nos é possível ter o controle sobre a vida e seus infinitos desdobramentos. O único modo de nunca nos enlutarmos seria nunca amarmos. Mas o que seria da vida sem o amor? Igualmente, ao pensarmos em outras fontes de luto, que não o falecimento, qual a qualidade de uma experiência de vida na qual, por todos os anos de nossa existência, não haja nenhum envolvimento, nenhuma busca ou satisfação? Ainda que o risco de frustração esteja sempre presente, não sonhar significa nunca dar chance de satisfazer os mais variados desejos que habitam em cada um de nós. Em segundo lugar, assim como a tristeza, que é um sentimento natural, mas em determinadas situações assume a forma do quadro clínico de depressão, o luto comum também pode evoluir para um luto complexo e persistente ou para a própria depressão. Nessas situações, torna-se muito importante a avaliação de um profissional “psi”, isto é, um psicólogo ou psiquiatra. Por serem profissionais que atuam na área das emoções, pensamentos e comportamento, podem contribuir com recursos que auxiliem as pessoas a lidar com as dificuldades de uma complicação do luto.
REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association – APA (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, Artmed.
Freud, S. (2021). Luto e melancolia. Em Obras completas, vol. 12, Companhia das Letras. (Obra original publicada em 1917, e escrita em 1915).
Kubler-Ross, E. (1998). Sobre a morte e o morrer, Martins fontes.
Stroebe, M., & Schut, H.. (1999). The Dual Process Model of bereavement: rationale and description. Death Studies, 23 (3), 197-224.
